(Conto Brasileiro por Ana Maria Machado)
Um dia, Pedro Malasartes vinha
pela estrada com fome e chegou a uma casa onde morava uma velha muito pão-duro.
- Sou um pobre viajante faminto
e cansado. Venho andando de muito longe, há três anos, três meses, três
semanas, três dias, três noites, três horas...
- Pare com isso e diga logo o
que quer – interrompeu a mulher.
- É que estou com fome. Será
que a senhora podia me ajudar?
- Não tem nada de comer nesta
casa – foi logo dizendo a velha.
Ele olhou em volta, viu um
curral cheio de vacas, um galinheiro cheio de galinhas, umas gaiolas cheias de
coelhos, um chiqueiro cheio de porcos. E mais uma horta muito bem cuidada, um
pomar com árvores carregadinhas de frutas, um milharal viçoso, uma roça de
mandioca.
- Não, a senhora entendeu mal.
Eu não preciso de comida, não. Só queria era uma panela emprestada e um pouco
d’água. Se a senhora me deixar usar seu fogão, eu já estou satisfeito. Porque
aqui no chão tem muita pedra, e isso me basta. Eu faço uma sopa de pedra
maravilhosa e nunca preciso de mais nada, já fico de barriga cheia.
Desse jeito, ela não tinha como
negar. Então deixou. Meio de má vontade, mas deixou. Só repetiu:
- Sopa de pedra?
- É... – disse ele, se
abaixando para pegar uma pedra no chão. – Com esta pedra aqui eu faço a sopa
mais deliciosa do mundo. O importante é lavar bem, esfregar bem esfregadinho e
deixar a pedra bem limpa antes de botar na panela.
E Malasartes então tratou de
lavar bem a pedra, como disse. Em seguida, encheu a panela com água, pôs a
pedra dentro e botou tudo no fogo. Quando a água começou a ferver, ele provou e
disse:
- É... até que não está ruim...
Só não ficar boa mesmo, de verdade, porque não tem sal.
- Não seja por isso – disse a
velha. – Eu tenho e lhe dou uma pitada.
- Ótimo. Com um pouquinho de
cebola e alho, fica melhor ainda.
- Não seja por isso – disse
ela. – Eu lhe arrumo.
-E um temperinho verde, de
horta, será que não tem? Dá gostinho especial na sopa...
- Vá lá, não é por isso que
essa sua sopa vai ficar sem gosto.
Foi pegar tudo o que Pedro
Malasartes pediu e voltou depressa para o lado dele. Estava louca para
aprendera a fazer aquela sopa. Podia ser mesmo uma sorte receber aquele
viajante em casa. Se ele lhe ensinasse a se alimentar só com uma sopa feita de
pedra e água, com certeza ela ia economizar muito daí por diante.
Mas não pôde ficar muito tempo
na beira do fogão, observando. Porque logo que Pedro jogou os ingredientes na
panela e deu uma mexida, ele tornou a provar e fez uma cara de quem estava em
dúvida.
- O que foi? – perguntou a
mulher.
- Não sei bem. Parece que falta
alguma coisa neste caldo. Talvez um pedacinho de carne ou de linguiça...
- Não seja por isso – respondeu
ela. – Se é uma sopa tão maravilhosa e tão econômica assim, não vai ser por um
pedacinho de carne que vamos perder essa maravilha.
Foi lá dentro e voltou com um pedaço de carne,
outro de paio e uma linguiça. Malasartes jogou tudo dentro da panela. Deixou
cozinhar mais um pouquinho e então respirou fundo:
- Está começando a ficar
cheirosa, não acha?
- É mesmo – concordou a velha,
interessada.
- O problema é que vai ficar
meio sem graça assim branquela, sem cor. O gosto está bom, mas fica sempre
melhor quando a gente tem um pouco de colorido para enfeitar. Um pedaço de
abóbora, umas folhas de couve, de repolho, uma cenourinha, uma batatinha... mas
isso não é mesmo muito importante, a senhora não acha? É só aparência...
A mulher, louca para aprender
bem a fazer aquela sopa preciosa, foi dizendo:
- Não seja por isso. Vou ali à
horta buscar.
Voltou carregada de tudo o que
ele pediu e mais um nabo, dois maxixes, uma batata-doce, um chuchu, uma espiga
de milho. Até uma banada-da-terra. A essa altura, ela já não se limitava ficar
olhando. Tratava de ajudar mesmo, para andar depressa e também para ela ter
certeza de que não estava perdendo nenhuma etapa da preparação daquele prato
tão maravilhoso e econômico. Por isso, foi logo lavando todas as verduras para
tirar a terra e limpar bem, descascou o que era de descascar, e foi passando
para Pedro, que cortava e jogava na panela.
E o fogo, ó, ia esquentando. E
a água, ó, ia fervendo. E a sopa, ó, ia borbulhando.
Os dois esperavam, sentindo
aquele cheiro ótimo. De vez em quando Malasartes provava. E suspirava:
- Hum! Está ficando gostosa...
- Está mesmo um cheiro
delicioso – concordava a velha.
Daí a pouco, ele provou de novo
e concluiu:
- Pronto! Agora está perfeita!
Uma delícia! É só tomar.
A velha trouxe dois pratos
fundos, e ele serviu. Ela ficou olhando, para ver o que ele fazia com a pedra,
mas Pedro deixou a pedra na panela.
-E a pedra? – perguntou.
- A gente joga fora.
- Joga fora?
- É... Ou então lava bem e
guarda para fazer outra sopa no dia em que for preciso enganar outro bobo.
Uns dizem que ela ficou tão
furiosa que jogou a panela em cima dele, com sopa quente, pedra e tudo.
Outros dizem que ela deu uma
gargalhada, viu que tinha merecido, mas tratou de tomar a sopa e guardar a
pedra.
Pode escolher o fim. E fica
sendo assim.